segunda-feira, 26 de outubro de 2009

A POESIA DE ANTÔNIO TAVERNARD

Suposta casa do Poeta Antônio Tavernard, casarão antigo do século passado,
que agoniza em um lento processo de deterioração.

Biografia

Antônio Tavernard nasceu no dia 10 de outubro de 1908, no mês do Círio de Nazaré e por isso foi batizado com o nome de Antônio de Nazareth Frazão Tavernard, filho de Othílio Tavernard e Marieta Frazão Tavernard, na outrora Vila Pinheiro (abreviação de Vila de São João do Pinheiro), atual Icoaraci, distrito de Belém, em um chalé, em estilo português, que ainda pode ser visitado, na rua Siqueira Mendes, número 585.

Aos dezenove anos de idade seu talento para a literatura se revelara quando obtém o segundo lugar no concurso de Contos Nacionais da Revista Primeira. A influência para a literatura vem diretamente de seu pai, leitor de Eça de Queirós, Alexandre Herculano, Machado de Assis, Álvares de Azevedo, dentre outros autores da pequena, mas criteriosa biblioteca. O pai, conforme a informação de Maria Anunciada Chaves, era jornalista, homem de letras, autor de peças de teatro, entre as quais pastorinhas, espécie de auto natalino popular, muito usado na época, vivia Othilio Tavernard modestamente, de seus proventos como funcionário da Santa Casa de Misericórdia e como redator de ‘A Província do Pará’.

Mas, o que encanta em Antonio Tavernard é poesia que, sem muitos mistérios, transformou a dor em alegria. Michael Löwy e Robert Sayre, na obra Revolta e Melancolia (1995), já haviam destacado que o Romantismo, de certa maneira, nunca saíra de moda. Por essa visão, não podemos dizer que Tavernard seria um romântico “tardio”, porém, que sua poesia possui algo que ainda não desapareceu na poesia. Ela guardaria uma mistura de tendências e inspirações românticas do século 19 e o Simbolismo. O leitor mais atento pode ver mais do que uma simples conservação do Romantismo.

Detalhes

Foi jornalista, dramaturgo e compositor, além de poeta lírico, falando de amor, morte e esperança, morreu em 1936.

Foi um dos redatores da revista A Semana, uma das mais importantes a circular em Belém na década de 1930.

Pesquisadores afirmam que Tavernard publicou apenas um livro em vida, o livro Fêmea, mas um dos parentes do poeta, Tavernard Neves, informou que em 1953 foi editado o livro de poesias "Místicos e Bárbaros".

Principais obras

Poesia

• Fêmea'

• Os Sacrificados

• 1953: Místicos e Bárbaros (publicado postumamente)


Teatro

• A Casa da viúva Costa

• A Menina dos 20 mil

• Seringadela


Produção musical

• Foi Boto Sinhá

• Romance

• Matinta-perera

• Hino do Clube do Remo


Curiosidades

• Os Sacrificados, de autoria do poeta, está desaparecido e nem mesmo seus parentes sabem onde estão os originais.

• Foi parceiro do maestro Waldemar Henrique.


Homenagem

Na localidade onde o poeta nasceu em 1908, foi inaugurada em 13 de junho de 2008, uma Biblioteca Comunitária que homenageia o nome deste grande ícone da literatura amazônica. A Biblioteca surgiu da necessidade de resgatar o nome do poeta na própria localidade onde ele nasceu. Possui um acervo de um pouco mais de seis mil obras e está aberta para a comunidade com seus serviços de informação e cultura. Hoje o casarão antigo do século passado, agoniza em um lento processo de deterioração.


Vale à pena ler e refletir sobre os poemas de Antonio Tavernard.

Pórtico

Eu quisera, em meus versos, a alvorada
de todas as belezas triunfais...
que eles tivessem a auréola imaculada
do sol de madrugada...
e que neles cantassem sabiás...
que fossem álacres como pensamentos
de crianças em férias, mais vibrantes
que pendões de palmeiras drapejantes
às carícias brutais, bruscas dos ventos
e mais ardentes do que dois amantes
no seu beijo melhor... deslumbramentos
de meios-dias tropicais fulgissem
em suas estrofes como luz das gemas...
que ora murmurassem, rugissem...
e semeassem bênçãos e anátemas...

Lacrimario
(Do diário de um tísico)

Quando eu era criança...
(Parece incrível que eu já tenha sido
criança como parece incrível a tormenta
que já fora bonança).
Quando eu era criança,
e tinha febre leve ou violenta,
e o doutor vinha, grave majestoso,
mamãe dizia: – “Se o filhinho,
tomar o seu remédio direitinho,
papai comprar-lhe-á um brinquedo mimoso
e mamãe há de dar-lhe um beijinho gostoso!”

Mamãe dizia...

E os líquidos amargos, forçando o meu desejo
eu depressa bebia...
Por causa do brinquedo, e pelo beijo...
Também parece um sonho, um sonho lindo,
que pai e mãe eu haja possuído...
Pena é que o sonho tenha terminado,
e que agora eu passe as noites acordado
escrevendo e tossindo!

Estou muito doente. Os médicos vieram
Sacudiram a cabeça, receitaram,
E se foram depois... e não voltaram...
Mas bebi tudo que me deram,
E, se é demais a dor que às vezes vem
O peito me rasgar, choro baixinho...
Não vá meu choro incomodar alguém!

A dar-me água quando estou com sede,
Mamãe já não está
Junto de mim, a balançar-me a rede
Pra lá, pra cá...
Abençôo, contudo, este abandono,
Esta vida infeliz de cão sem dono,
Porque, se aqui estivesse,
Mamãe de dor se tornaria louca,

Se ao menos percebesse
O lenço rubro, com que enxugo a boca
Que todos temem, que ninguém mais quer
e que ela seria
a única mulher
que para ungir, para suavizar,
talvez tivesse – sim teria! –
coragem de beijar...
(E o poeta morreu. Morreu sozinho,
rosa sem haste, pássaro sem ninho.
E, morto, ele sorria, como, quando,
Ia, criança, as pálpebras cerrando
No colo maternal).

Sonhos de Sol

“Nesta manhã tão clara é sacrilégio
o se pensar na morte. No entanto
é no que penso úmidos de pranto
os meus olhos cansados.

Sortilégio
de luz pela cidade... As casas todas,
humildes e branquinhas
lembram gráceis e tímidas mocinhas
no dia de suas bodas.

Morrer assim numa manhã tão linda,
risonha, rosicler,
não é morrer... é adormecer ainda
na doce tepidez de um seio de mulher!
Não é morrer... é só fechar os olhos
Para melhor sentir o cheiro do jasmim
Escondido da renda nos refolhos!...
Ah! Quem me dera que eu morresse assim.

Visita de Santo

Meu S. João,
na noite do vosso dia,
com fogueiras brilhando de alegria,
com alegras cantando num rojão,
parai um pouco na melancolia
do meu portão!

Ponde aqui o cordeirinho!...
Sentai no banco a meu lado!...

Tanta estrela no céu, e eu tão sozinho!...
Na terra, tantos sons, e eu tão calado!...

Meu santo bom, por outra noite vossa,
igual a esta (que lembrá-la possa
durante a vida que viver eu vou!...),
mandei-vos, num balão, um sonho lindo
que foi subindo,
foi subindo,
foi subindo,
té que, muito no alto, se queimou...

Mal de muitos?... Eu sei...
Mas também sei
que nunca mais outro balão soltei.
Nunca mais, nunca mais...

........................................................................

Que brisa fria!...

Lá vem o sol como balão dourado!
Levantai-vos, partis?!... Muito obrigado!
DEUS vos pague no céu, meu S. João,
esta parada na melancolia
do meu portão!...

Última Carta

"Sobre o leito de morte do poeta, foi
encontrado esse papel cheio de letras
trêmulas e manchado de lágrimas".
Por que não me vens ver? Estou doente...
É possível que morra com o luar...
Anda, lá fora, um vento, tristemente,
as ilusões das rosas a esfolhar.
E, aqui dentro, na alcova penumbrada,
onde arquejo, sozinho, sem sequer
a invisível presença abençoada
de um pensamento meigo de mulher,
há o desconsolo imenso, a imensa dor
de alguém que vai morrer sem seu amor...

De quando em quando,
o coração, que sinto
cada vez mais cansado, se arrastando,
marcando o tempo, recontando as horas,
pergunta-me, num sopro quase extinto,
quando é que virás...

Volta depressa, sim?... Se te demoras,
já não me encontrarás...

Ouço, longe, a gemer de harpas eólias...
É de febre... Começo a delirar...
Desabrocham, no parque, as magnólias...
Vem surgindo o luar...
E, como a luz do luar que vem nascendo,
eu vou aos poucos, meu amor, morrendo...

Esforço vão

No limiar da criação, fremefremindo
O meu pensamento pára...É a hora maga...
Hora fecunda, benéfica ou aziaga...:
A idéia, lenta, pouco a pouco, vai surgindo,
Tímida, arisca, vacilante, vaga...
Definida, depois...Então, reunindo
Os vocábulos vou para a ir vestindo
Com a pompa lapidar da forma... chaga
De luz é a inteligência nesse instante...
Dela escorrem, qual sangue fulgurante,
As frases tracejadas a correr...
Mas o ponto final tomba gelado...
E eu sinto, então, como um desencantado,
Toda a inutilidade de escrever.

Meu velho Violão
(Para você, minha amiga, estes versos imperfeitos, mas cheios de coração.)

Meu velho violão coberto de poeira,
a dormitar num canto em nostalgia
imóvel para sempre - pasmaceira
feita de tédio e de melancolia.
.
Não recordas as noites em que eu ia
contigo no peito, a sombra companheira,
dois loucos a cantarem nessa elegia
que era a alegria da paixão primeira?
.
Tudo depois mudou...Calei, calaste
dês a trágica vez em que vibraste
inutilmente sob a sua janela...
.
Foi como se morresses...Entretanto,
se, sem querer, te roço em teu recanto,
soluças-me, baixinho, o nome dela.

Notas sobre o Poeta:


Tavernard foi o mais corajoso poeta que Belém já teve, e é também o mais saudoso porque ninguém mais será feliz diante de tão temerário sofrimento, esse sofrimento contido pela força e pela beleza de sua poesia.

Carlos Correia Santos tinha razão quando comentou: "Se Antonio Tavernard tivesse nascido numa Lisboa daquela época, ele era muito mais do que um Fernando Pessoa hoje em dia. Eu cometo a loucura de dizer isso, porque a poesia do Tavernard, seja no poema, no teatro, no conto, fala com coisas nossas que são atemporais".

Fontes Pesquisadas:


• Enzo Carlo Barrocco
Extraído de "Tavernard, Pássaro Doente" do seu "Recanto das Letras"
• Benilton Cruz
Extraído de seu "Mente, Poeta (Consideraçoes sobre o poeta Antonio Tavenard)"
• Wikipédia
Extraído da Eniclopédia livre de Antonio Tavenard
• Carlos Correia Santos
Extraído do seu "Comentario sobre a obra de Antonio Tavernard", no portal Janela Cultural

sexta-feira, 6 de março de 2009

A Poesia de João de Jesus Paes Loureiro


"Belém, na tua rede de mangueiras/ na verde solidão das altas horas/ o rio te põe no colo e te acalenta/ o rio te põe no colo e te apascenta/ o rio te põe no colo e te deflora"
(João de Jesus Paes Loureiro)


Poeta, folclorista, ensaísta e dramaturgo. Esses são alguns dos adjetivos que se pode atribuir ao escritor paraense João de Jesus Paes Loureiro. Nascido em Abaetetuba, cidade paraense situada à margem do Rio Tocantins, em 23 de Junho de 1939; Cursou a Faculdade de Direito e a Faculdade de Letras, Artes e Comunicação, na Universidade Federal do Pará. De 1964 até 1976, em decorrência de sua poesia, militância política e idéias democráticas, foi perseguido e várias vezes preso pela ditadura militar, sofrendo torturas, graves perseguições e privações de oportunidades profissionais. No final da década de 70 tornou-se, por concurso público, professor de Educação Artística na Escola Técnica Federal do Pará e de História da Arte, Introdução à Filosofia e, depois, Estética Cultura e Comunicação, na UFPA. Tornou-se Mestre em Teoria Literária e Semiologia, pela PUC de Campinas em 1984 e Doutor em Sociologia da Cultura pela Sorbonne, Paris, França, em 1990. A partir de 1983 exerceu as funções de Secretário Municipal de Educação e Cultura de Belém, Superintendente (e criador) da Fundação Cultural do Pará Tancredo Neves, Secretário de Educação do Pará e Presidente (e criador) do Instituto de Artes do Pará.


Livros publicados:

Tarefa: Pará: Falângola, 1964; Cantigas de amar de amor e de paz - Poesia. Belém: Graf. Globo, 1966; Epístolas e Baladas - Poesia. Belém: Grafisa, 1968; Remo Mágico - Poesia. Belém: Graf. Sagrada Família, 1975; Enchente amazônica - Poesia. Separata publicada pelo Conselho de Cultura do Pará, 1976; Porantin - Poesia, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1979; Deslendário - Poesia, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1981; Pentacantos - Poesias. São Paulo: Roswitha Kempf, 1984; Cantares Amazônicos - Poesia. São Paulo: Roswitha Kempf, 1985; O Ser Aberto - Poesia, Belém: Cejup, 1987; Romance das três flautas ou de como as mulheres perderam o domínio sobre os homens - Poesia. Tradução para o alemão de Hildegard Fauser-Werle. Ed. Bilíngüe. São Paulo: Roswitha Kempf, 1987; O Poeta Wang Wei ( 699 – 759 AD ) Na visão de Sun Chin e João de Jesus Paes Loureiro - Poesia. Ed.Bilíngüe. São Paulo: Roswitha Kempf, 1988; Artesão das Águas. Belém: Cejup/Universidade Federal do Pará, 1989; Iluminações/Iluminuras - Poesia. Tradução para o japonês Kikuo Furuno. Ed.Bilíngüe Roswitha Kempf, 1988; Altar em chamas e outros poemas. São Paulo: Cejup Cultural, 1989; Elementos de Estética. Belém: Cejup, 1989; Cinco palavras amorosas à Virgem de Nazaré - Poesia. Belém: Cejup Cultural, Belém-PA, 1989; Tarefa - Poesia. feed. Fac-similar. Pará: Falângola, 1989, Erleuchtungen/Malereien (Iluminações/Iluminuras). Tradução para o alemão Michael V. Killischh. Munique: Horn, 1990; Cantares Amazônicos - Coletânea de Poemas. Ed.Bilíngüe. Português e Italiano, lançado em L’Aquila, Itália. Pará: Falângola, 1990; Cantares Amazônicos. Berlin, Alemanha (em português e alemão), 1991; Cultura Amazônica – uma poética do imaginário. Belém: Cejup, 1991; Un Complainte pour Chico Mendes. Tradução Lyne Strouc. Foire International Terres de L’Avenier-CCFD. Paris, França, 1992; A poesia como encantaria da linguagem – Hino Dionisíaco ao Boto. Belém: Cejup, 1992; Altar em Chamas - Poesia, Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1992; Belém. O Azul e o Raro. Belém: Edição de Violões da Amazônia, 1998; Pássaro da Terra - Teatro. São Paulo: Escrituras, 1999.


Poemas inclusos nas seguintes antologias:

Literatura Brasileira em Curso. Seleção de Riedel, Dirce: Bloch Editores, 1968; II Brasile Atraverso La Poesia: Seleção de Savino, Mombelli. Milão, Itália: AVE, 1969; Antologia da Cultura Amazônica. Amazônia Edições Culturais Ltda, Vol. 2, páginas 333/335; Poemas publicados na revista Gaceta do Instituto Colombiano de Cultura, 1982; Poemas publicados na revista Religião e Sociedade. Rio de Janeiro, Brasil, 1983; Gesange des Amazonas: Poemas/Gedichto. Berlim DIÁ, 1991.


Outros trabalhos:

Inventário cultural e turístico do Pará. Funarte/Idesp/Cecult; Proposta Modular de Educação e Cultura – SEMEC. Cadernos de Cultura, 1985; Proposta Contextual de Educação Infantil – SEMEC. Cadernos de Cultura, 1986; Projeto PREAMAR: O Pará e a Expressão Amazônica – Boletim da Fundação Cultural “Tancredo Neves”, 1996.


Discos:

Disco com músicas de sua autoria – Escorpião/Rosembi, 1974; Até a Amazônia - músicas com Quinteto Violado. Rio de Janeiro, Phonogran, 1975; Rostos da Amazônia - Poesia, com Sebastião Tapajós ao violão. Rio de Janeiro, Phonogran, 1985; O Rei e o Jardineiro - com Quinteto Violado. Produção independente, 1995; Belém. O Azul e o Raro - (para ler como quem anda nas ruas) Poesia e Música com SalomãoHabib,1998.


Obras Premiadas:

Ilha da Ira. Primeiro Prêmio do Serviço Nacional de Teatro, Ministério da Educação, Rio de Janeiro, 1976; A Procissão do Sayrê. Inacen/MEC – Rio de Janeiro, 1977; Altar em Chamas. Prêmio de Poesia, pela Associação Paulista de Críticos de Artes – APCA. São Paulo, 1994; Romance das três flautas. Prêmio Jabuti. São Paulo, 1998.


Vale à pena assistir, ler e refletir sobre os poemas de Paes Loureiro.



Réquiem para Dorothy Stang


(A música litúrgica foi composta por
Paulo José de Campos Mello)


1. Introitus


Tambores da terra
Tambores da água
Tambores do fogo
Tambores do ar.

Amazônia! Amazônia!

A liberdade dos pássaros voando.
A liberdade dos peixes navegando.
A liberdade das águas desaguando.
A liberdade das árvores crescendo.

Amazônia! Amazônia!

Cristo caminhava sobre as águas.
Rudá revoava nas florestas.
Foi ali que Dorothy Stang
pela terra sem males viveu.
Foi ali que Dorothy Stang
pela terra sem males morreu.


2. Kyrie


Senhor
tem piedade da terra e do homem da terra.
Cristo
tem piedade da terra que mata o homem da terra.
Rudá
tem piedade do homem que morre em defesa da terra.


3. Dias irae / Lacrimosa


Dias de ira virão
quando a floresta
for somente cinzas.
Dias de ira virão
quando a vida na floresta
for somente cinzas.
Assim diz o canto do acauã.
Assim diz a voz de Dorothy.
Dias de ira virão na terra vã.

Ai! Dias de lágrimas
por Dorothy Stang, Chico Mendes
Pe. Josino, Canuto, Mártires da Terra.
Dias de lágrimas
por Dorothy Stang, nossa irmã,
que por ela já não canta o acauã.
Tudo acabou.
Tambaramã.
Tudo Acabou.
Tambaramã.


4. Sanctus


Santos! Santos! Santos!
Jesus Cristo! Caruanas! Encantados!

Recorda-te Jesus Piedoso.
Recorda-te Rudá, Deus da Floresta.
Tu que sempre acompanhaste os homens
e mulheres da terra,
por que deixaste só nesse caminho
nossa irmã Dorothy?
Assim foi alvo tão fácil para as balas
seu coração de pássaro sem ninho.
Rio de sangue.
Tamalatiá.
Rio de sangue.
Tamalatiá.


5. Benedictus


Bendita irmã
que vieste em nome do Senhor!
Não pudeste vencer o latifúndio
assassino do homem,
algoz da natureza.
Quem poderá nos salvar?
Quando o dia da justiça há de chegar?


6. Agnus Dei


Cristo-Rudá!
Tu que tiraste os pecados do mundo
Tem piedade de nós.
Cristo-Rudá!
Tu que tiraste os pecados do mundo
por que não tiraste da mira do assassino
nossa irmã Dorothy?

Seis balas cravadas em seu peito
só derramaram amor do coração.
Estava só nessa hora e sem defesa
aquela que defendia cada irmão.
Cristo-Rudá!
Tu que tiraste os pecados do mundo
não pudeste impedir
que Dorothy
morresse na mão do algoz.
Tem piedade de nós.


7. Lux aeterna


Tambores da terra
Tambores da água
Tambores do fogo
Tambores do ar.

Tambores de toda a Amazônia, tocai!
Pela irmã Dorothy Stang, tambores tocai!

Para acordar o coração do mundo
tambores tocai!
Para romper o silêncio do mundo
tambores tocai!
Por nossa irmã Dorothy Stang
tambores tocai!
Por aquela que viveu pela terra sem males
tambores tocai!
Por aquela que morreu pela terra sem males
tambores tocai!
Por nossa irmã Dorothy Stang
tambores tocai!

Dá-lhe, Senhor, repouso perpétuo e sublime,
que ela merece todos os hinos
e que a luz eterna divina a ilumine.



Referências:

# Blog do Paes Loureiro.
# Feitosa, Soares, Jornal de Poesia.

terça-feira, 10 de fevereiro de 2009

Morre o poeta Max Martins

"É preciso dizer-lhe que tua casa é segura
Que há força interior nas vigas do telhado
E que atravessarás o pântano penetrante e etéreo
E que tens uma esteira
E que tua casa não é lugar de ficar
mas de ter de onde se ir".

Max Martins
1926 - 2009

O mundo das letras, se despede, na tarde de hoje (10), de um dos maiores poetas brasileiros de todos os tempos, o poeta Max Martins. Max morreu no final da tarde de ontem, aos 82 anos. O legado poético que fica, eternizado por versos de finas estampas, é o de um gênio da palavra que fez da poesia um ato de resistência.

Mas poeta não se despede, e nem morre...

Descanse em Paz, Mestre!

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

Entrevista com Ronaldo Franco




A partir de hoje a APP publica uma série de entrevistas com poetas paraenses de diversas tendências que fazem a nossa literatura. A primeira entrevista desta série começa com o poeta Ronaldo Franco – “Poetinha” como Elias Pinto o batizou. Ronaldo é desses escritores boa praça, jornalista e homem culto, que vive de bem com a poesia. Já publicou quatro livros. Autodenomina-se voraz leitor de grandes escritores contemporâneos e circula com facilidade por todas vertentes literárias. Ao ser convidado a dar esta entrevista, o “Poetinha” não se furtou a falar de nenhum assunto. Confiram.

APP - Sua poesia costuma mesclar o regionalismo e o universalismo das coisas com maestria, de onde vem essa sua veia e o que te fez virar poeta?

RF - Do relacionamento com os livros. Compreendendo-me no mundo. Vivendo numa espécie de realidade poética. Sendo rua e casa ao mesmo tempo: - um endereço em algum lugar do mundo de ímpetos, de humores, de dores, êxtases baratos, amores verdadeiros ou sentimentos hipotéticos.

APP - Quem é Ronaldo Franco?

RF - Sou um artesão das palavras. Um trabalhador sem relógios. Sobrevivente dos abscessos da desinteligência. E continuo aprendiz que em dezembro completou 61 anos e que têm quatro livros lançados: “Teia”, “Cidade dos Poetas” (em parceria com o poeta José Maria de Vilar Ferreira), “Cidade das Águas” (em parceria com Alfredo Garcia) e “Lente Feminina” (relacionando-me com as fotografias de Ana Mokarzel e Karol Khaled, produzindo novas imagens incorporadas às palavras).

APP - Como você enxerga o Ronaldo poeta que acaba de completar 50 anos de poesia?

RF - É como se, em 50 anos, o aprendiz não limitasse o tempo de ler e ler e condensasse os poetas que me interessam, para posteriormente desenvolver-me, extraindo deles a força semântica e tornando-me íntimo de suas imaginações. Em 50 anos: sou leitor obcecado escrevendo e reescrevendo versos. Queria ser um João Cabral de Melo Neto, - renovar o dicionário cotidiano. Raciocinar as palavras como um Drummond. “Penetrar surdamente no reino das palavras”. Tornar-me escravo da “linguagem carregada de significado até o máximo possível”, como dizia Ezra Pound. Sou aprendiz: arriscando-me nos andaimes da linguagem. Como um operário das letras.

APP – O que é o poema, como construí-lo, e qual a sua importância?

RF - É uma voz repetindo uma, ou duas palavras junto ao ouvido. Uma coceira de letras no corpo. Imagens soltas na cabeça. Outras encarceradas na memória. Trabalha-se numa viagem até aqui. Ou bem longe. Dentro de um navio com asas. Nas ondas dos caminhos. Onde florescem janelas. Até a palavra nuvem. Até a última pedra. Até logo. Sobre a construção do poema... Não sei teorizar sobre isso. Sinto que o poema é a desconstrução do poeta. É o desmentir-se em versos. Tenho poemas que são pequenas casas construídas com versos curtos, outras com versos longos... Há um lugar nos quintais dessas casas em que o poeta-aprendiz e as palavras se edificam e aí, então, consegue-se um poema conciso, limpo, preciso.

APP - De quem afinal você gosta e quem lhe inspirou, ou ainda inspira?

RF – Gosto de ler: Ruy Barata, Max Martins, José Maria de Vilar Ferreira, Mário Faustino, Pedro Galvão, Ferreira Gullar, Mário Quintana, Carlos Drummond, Jorge de Lima, Vinicius de Moraes, Manuel Bandeira, Stéphane Mallarmé, Tristan Corbière, Charles Baudelaire, Maiakóvski, Walt Whitman, Dylan Thomas, Sylvia Plath, Ezra Pound.

APP - Quais os poetas da nova geração que mais lhe chama à atenção?

RF – Chamam-me à atenção poetas do nível de: José Maria de Vilar Ferreira e Max Martins.

APP - Como o autor e o leitor em geral podem descobrir a poesia?

RF - Escrevendo-a e lendo-a como documento humano. Com o autor cumprindo o tríplice preceito horaciano – ensinar, deleitar e comover (docere, deletare, movere).

APP - Seu blog completa um ano e que o levou a criá-lo?

RF - O blog é novinho. E dá trabalho trocar suas fraldas na madrugada. Completa um ano agora em fevereiro...

O que me levou a criá-lo?...A pergunta não é descabida... Cabe no impulso de divulgar o artista desconhecido entre os mais visíveis. A fórmula deu certo: os palcos ficaram mais amplos e platéias mais democráticas.

APP - O blog tem a característica de não falar do autor, no caso o Ronaldo Franco, mas, sim, de autores, espetáculos e outras atrações não tão em voga na mídia. Fale um pouco sobre esse perfil do blog.

RF - O autor publica seus poeminhas... Mistura-se com Gullar, Dylan Thomas, Drummond... O blog é o espetáculo (- visível -) de todas as raças culturais. De todos os palcos: de nossa Ourém, do nosso Teatro da Paz, do pagode do bar da esquina, do Brasil e do mundo.

APP - Os blogs são ferramentas de comunicação que abrem portas e fecham ineditismos. Como você entende isso?

RF - O blog tem que abrir veredas. Como o Guimarães Rosa: em trilhas, sertões, horizontes. E que o leitor os vá (oswaldianamente) explorar. E que coma o biscoito fino.

APP - Quem você destaca na literatura paraense, na poesia, e na prosa?

RF - José Maria de Vilar Ferreira e Max Martins (na poesia). Dalcídio Jurandir e Benedito Monteiro (na prosa)

APP - Quais são seus planos para os próximos 50 anos de poesia?

RF - Aposentar a poesia do seu difícil trabalho de estar comigo.

APP – Como a sua poesia dialoga com a fauna e flora em ameaça constante?

RF - A minha poesia dialoga (primeiramente) com a Ecologia dos Afetos. Como reconstrução da humanidade. Como investimento ético-afetivo. Uma ética que permita recuperar o sentimento pelo outro, pela fauna e flora.

APP- O que você considera poeticamente correto em Belém e no belenense de maneira geral?

RF - Chupitar um sorvete enquanto a tarde some...

APP – Para concluir, qual é a estrela de Belém?

RF – Esse!...

Esse Ruy é minha rua

O Paranatinga inesperadamente fechou abril
Rapidamente
abriu-se o rum do vazio
O rio sabe o rumo
do boto boêmio
A boemia rema
saudade do poeta inexaurível
O argonauta de bares
aporta na rima extrema
Pelos ares:
um pixé de solidão na cidade
Nel mezzo del camim
um Ruy sem fim
pisa nos calos da lua
Esse rio sem endereço
É minha rua.

***

domingo, 18 de janeiro de 2009

A Poesia de Age de Carvalho



A poesia de Age de Carvalho propõe o despedaçamento da escrita e a autonomia dos fragmentos.
(Fabrício Carpinejar)


"A minha impressão sobre a minha poesia não conta mais que a sua ou a de outro leitor qualquer. Não estou aqui para julgar os meus poemas, senão para escrevê-los".
(Age de Carvalho)

Age de Carvalho nasceu em Belém do Pará, em 1958. Concluiu seus estudos primário e ginasial no Colégio Moderno, em Belém, e se formou em Arquitetura pela Universidade Federal do Pará em 1981. Lançou seu primeiro livro de poemas, Arquitetura dos Ossos, em 1980. Editou a página de poesia Grápho nos jornais paraenses A Província do Pará e O Liberal entre 1983-85, atuando também como tradutor. Passa o ano de 1984 em Innsbruck, Áustria. No final de 1986 retorna à Europa para se fixar em Viena. De 1991 a 2000 vive em Munique, Alemanha, e a partir deste ano muda-se definitivamente para Viena, na Áustria, onde hoje reside.

Aprendiz dos mestres da poesia universal, Age bebeu nas fontes de Paul Celán – com quem aprendeu a economia da forma –, de Ezra Pound (cultor de fragmentos), de Mário Faustino (com quem percebeu que um poema não deve ser falante demais), do Drummond dos “laços de família”, de Ferreira Gullar (de corporal luta) e de Max Martins, amigo, parceiro de Risco subscrito, e, por que não dizer, mestre. Age de Carvalho tornou universais os quintais e as ruas de Belém. Isso o faz, nestes poemas, traçar sua biografia. Uma biografia poética em que o eu-lírico esconde-se atrás de uma hermética máscara de palavras.

Age, 50 anos, ainda é um culto para poucos amigos. Um caminho diferenciado na poesia brasileira, que o isola quando o deveria destacar. Escavador de correntes subterrâneas, oferece textos cifrados, misteriosos, que não aceitam a elucidação imediata e o código de barras.

A realidade de seus versos é conquistada, apanhada aos sorvos, aos corvos. É uma peça de oratório, poesia tão pura que se assemelha a um transe.

Como designer gráfico atua em várias revistas austríacas e alemãs na função de diretor de arte.

Livros publicados: Arquitetura dos ossos (Editora Falângola/Semec, Belém, 1980), A fala entre parêntesis junto com Max Martins (Edições Grápho/Grafisa/Semec, Belém, 1982), Arena, areia (Grafisa/Edições Grápho, Belém, 1986), Ror: 1980-1990 (poesia reunida e o livro inédito Pedra-um, Editora Duas Cidades, Coleção Claro Enigma, SP, 1990), Móbiles (junto com Augusto Massi, 7 Letras, Rio, 1998), Caveira 41 (Cosac & Naify/7 Letras, São Paulo, 2003) e Seleta, antologia poética (Editora Paka-Tatu, Belém, 2004) e Sangue-Gesang ("Cantos do Sangue" traduzida por Curt Meyer-Clason, 2006), extensa antologia poética, edição bilíngüe alemão-português, ainda não publicada no Brasil. Seus poemas foram incluídos em importantes antologias de poesia contemporânea brasileira, como Artes e Ofícios da Poesia (Porto Alegre: Artes e Ofícios, 1991) e Nothing the sun could not explain (Los Angeles: Sun & Moon, 1997).


Vale à pena assistir, ler e refletir os poemas de Age.



O CÍRCULO

na areia, o

que no

grão de

grande

há,

sim sens, não tens

a fala sem sentido

que é

isto: menos que

isto, isso

3

As bananeiras indecentemente alvoroçando suas pernas

amplamente às serpentes de pluma: antros

do inferno: as formações cruéis, passando: nuvens

É que vens nu, e as nuvens te amoralçam

assanham ecos, sonham o silêncio atrás dos muros

Mais alto a fala do sol de ensina às pedras

te insinua às sombras (que estão nos antros

— fendas noturnas)

Claro-escuro

de linguagens subterrâneas, ânus

para a fala de dois espíritos:

Escritura,

filtro de luz, as marcas inscritas no crânio

da palavra, verão de alfabetos esquecidos,

sílabas, louras mitologias manchadas no muro

Que existe/insiste escuro para manhãs, amanhos, aventuras:

A Ilha do Tesouro, a mala do defunto, o escaravelho

— a fala

se amofina estéril e lisa, espuma

ao gozo de neblinas



VEIO

veio Áries, as forças,

a espiral,
do cifrado chifre e um número
de ouro, Quatro, herdado
de ti,

Um-pai,

pastoreando agora o carneiro
dourado para fora
do quarto,

perdida a córnea

palavra, pós-operatória,
que, soprada,
talvez, talvez
levasse
a ti.



CORCOVADO

à Nelci Frangipani


Uma última vez

antes de subirmos,

braços abertos sobre

a flora brava, aqui

em baixo, onde colho

a despedida –

o tempo

só de abraçar

o abricó-da-praia,

meu amigo,

enquanto tu, trezentas

e terrena, davas

comida aos gatos.



POEMA COMPLEMENTAR SOBRE O RIO

A José Maria de Vilar Ferreira


O rio consagrado: a vazante

lembrança que escoa em maré

baixa e retorna — água escura

— na preamar

O rio sagrado: invólucro do céu

e margem, e duas margens

dos caboclos amantes. O rio

passado: cismando na crisma, paresque

dumas lembranças que trabalham a solidão:

o paralelo das margens, uma igara partida,

as águas sujas que sempre voltam.



A CADELA

Caminhava grave pela casa
a cadela.
A cabeça quieta era sua altivez
quadrúpede no centro da cozinha.
Caminhava. Os olhos, costelas,
o mar de ossos, o coração
pardo e lento – caminhava.

A manhã debruçava-se pela janela: cristais no pó,
o púcaro da china, horas de louça
batendo nas palavras na sala da casa.
A cadela caminhava, dura,
secular.
(Domingo dormia
prolongado como um funcionário feriado).

Vivera demais. Descansava à sombra,
perto do quarador.
Sonhava farta, invisível,
a cadela azul,
nua
(o sexo velho e molhado,
um caranguejo arcaico sob o rabo).

Dormia, vazia.

Outubro doía longe, na Ásia,
quando a Fuluca anunciou: "A Catucha morreu".



IN ABSENTIA

E: ainda uma chance —
uma pedra se refolha
para o repouso,
o instante é
sempre presença

Ror de erros,
recolho repetidos
o que ainda me pertence



NISSO

que ascendeu
se revelou
e esqueceu

ponhamos uma pedra



SUMA

Quantas vezes
ainda por repetir?

Estão comigo, todas
de segunda mão,
não classificadas

ó anel
círculo mancha ervas
sombra relva irmã
estrela erro tumba

por companhia

pedra pedra pedra



A JOÃO CABRAL DE MELO NETO

só dizer
o que sei
e duvido saber, o sal
pela mão
do rio-sem
resposta —
um luxuoso dizer, de vagar sem onda
e vaga, fluvial, não aliterado;

um dizer repetido na diferença,
barrento, semi-dito, em Não fechado;

ou o não-dito, rios sem discurso,
nome por dizer ou dizer empedrado;

dizer sim o raro e claro do poema,
dizer difícil e atravessado, com margem

de erro



VERMELHO

Tua,
de seda e feno
no transe da metáfora
a fenda soletrada-sol,
vala de luz, vocabulário

Tua, folhagem. O
olho
alcança o Olho,
desce aos infernos:

sonha o cabelo da urna,
o vermelho
da cifra, a ferida
no centro da fogueira

Tua, tua



Referências:

  • Cultura Pará, Age de Carvalho
  • Miranda, Antonio, Poesia dos Brasis/Age de Carvalho
  • Carpinejar, Fabrício, POESIA Uma caixa-oração, Outubro, 2003.
  • sábado, 3 de janeiro de 2009

    A Academia e a poesia de Max Martins

    Foto: Paula Sampaio

    A Academia dos Poetas Paraenses pretende reunir em cacho os grandes poetas paraenses. O objetivo é divulgar suas obras na qual possamos beber das gemas filosóficas de cada um e compreender a genialidade poética de todos.

    As publicações de cada autor ocorrerão mensalmente. Aqui serão mostrados poetas da antiga e nova geração como por exemplo: Max Martins, Age de Carvalho, Adalcinda Camarão, Benedicto Monteiro, Rui Barata, Antônio Tavernard, Bruno de Meneses, JJ Paes Loureiro, Emir Bemerguy, Olga Savary, Carlos Correia Santos, José Ildone, Antônio Juraci Siqueira, Salomão Larêdo, Vicente Cecim, Eneida de Moraes, Inglês de Souza, Rodrigues Pinagé, Júlio César Ribeiro de Sousa - era tido como o príncipe dos poetas paraenses, Francisco Paulo Mendes, Cauby Cruz, José Paulo Paes, Paulo Plínio Abreu, Roberto Carvalho de Faro, Hilmo Moreira, Camilo Delduque, Alfredo Garcia, Alberto Cohen, Alonso Rocha - príncipe dos poetas paraenses, Ronaldo Franco, José Maria de Vilar Ferreira, José Maria Leal Paes, Jorge Andrade, Vicente Salles, Marcos Quinan, Jorge Campos, e tantos outros.

    Na estréia da Academia nada mais justo do que iniciar as postagens mostrando os poemas de Max Martins.

    "A minha poesia tem uma relação muito veemente com a vida.
    É poesia-vida, vidapoesia".
    Max Martins.

    Max Martins nasceu em Santa Maria de Belém do Grão Pará em 1926. A partir de 1934, fez estudos nas áreas de Poesia, Artes, Literatura e Filosofia, nunca abandonando a formação autodidata.

    Os primeiras textos de Max foram publicadas por Haroldo Maranhão em um jornal escolar denominado “O Colegial”. Foi a partir desse jornal de alunos, que floresceu uma amizade entre Max, Haroldo e Benedito Nunes que dura mais de 50 anos. No período de 1945 a 1951, eles participaram juntos do suplemento literário “Folha do Norte”, de grande importância na época.

    Ao lado de Benedito Nunes, Francisco Paulo Mendes, Rui Barata, Mário Faustino, Paulo Plínio de Abreu, Haroldo Maranhão, viu chegar a modernidade na poesia brasileira, da qual se tornou um dos poetas mais expressivos. Sua obra está traduzida para o alemão, inglês e francês.

    Hoje, aos 82 anos, Max é o maior poeta paraense em atividade. Sua poesia é trangressão, é ruptura, é um fora na mesmice, é espelho para os novos poetas.

    Livros publicados: O Estranho,1952; Anti-Retrato, 1960 — ambos de poesia. Tanto o primeiro como o segundo livro receberam respectivamente os prêmios da Academia Paraense de Letras e Secretaria de Educação do Estado do Pará; H'Era, 1971; O Ovo Filosófico, 1976; O Risco Subscrito, 1980; A Fala entre Parênteses, 1982 — em parceria com o poeta Age de Carvalho; Caminho de Marahu, 1983; 60/35, 1985; Não para Consolar — Poesia Completa — Prémio Olavo Bilac da ABL, dividido com o poeta António Carlos Osório, 1992; Para Ter Onde Ir, 1992; Colmando a Lacuna — Poemas Reunidos, 1952-2001.

    Max Martins é dos mais instigantes, vale ouvir, vale a leitura, vale a reflexão.




    A CABANA

    É preciso dizer-lhe que tua casa é segura
    Que há força interior nas vigas do telhado
    E que atravessarás o pântano penetrante e etéreo
    E que tens uma esteira
    E que tua casa não é lugar de ficar
    mas de ter de onde se ir.


    O CALDEIRÃO

    Aos sessenta anos-sonhos de tua vida (portas
    que se abrem e fecham
    fecham e abrem
    carcomidas)

    Ferve

    a gordura e as unhas das palavras
    seu licor umbroso, teus remorsos-pêlos
    Ferve
    e entorna o caldo, quebra o caldeirão
    e enterra
    teu faisão de jade do futuro
    teu mavioso osso do passado

    Agora que a madeira e o fogo de novo se combinam
    e o inimigo n. 1 já não te enxerga

    ou vai embora
    varre tua esperança tíbia

    o tigre da Coréia da parede

    É lícito tomar agora a concubina
    E despentear na cama a lua escura, o ideograma


    A FERA

    Das cavernas do sono das palavras, dentre
    os lábios confortáveis de um poema lido
    e já sabido
    voltas
    para ela - para a terra
    maleável e amante. Dela
    de novo te aproximas
    e de novo a enlaças firme sobre o lago
    do diálogo, moldas
    novo destino
    Firme penetra e cresce a aproximação conjunta
    E ocupa um centro: A morte, a fera
    da vida
    te lambendo


    MARAHU: Primeira Relação

    2 formigas - operárias
    ápteras
    ou novatas, não
    de fogo mas
    noturnas, doces
    1 grilo
    (depois aprisionado
    pela aranha, morto
    ao amanhecer)
    O canto dum galo
    e outro galo
    A saracura. A tarde
    2 gaviões molhados
    encolhidos no pau da árvore
    pensos
    Garças
    sobre as pedras
    negras da praia
    Os urubus
    o boto morto
    um cão medroso, sapos
    sapos
    sapos
    1 goteira
    sapos
    chuva
    o sol
    vindo do mato
    às 7
    da manhã
    A noite
    a escuridão o vento as velas
    de Lao-tsé
    Thoreau
    e o meu cajado de bambu rachado
    o chão
    folhas úmidas


    AMARGO

    Há um mar, o dos velames,
    das praias ardendo em ouro.

    Há outro mar, o mar noturno,
    o das marés com a lua
    a boiar no fundo
    o mênstruo da madrugada.

    E afinal o outro, o do amor amargo,
    meu mar particular, o mais profundo,
    com recifes sangrando, um mar sedento
    e apunhalado.


    RASGAS A FRIA NOITE COMO UM DARDO

    Rasgas a fria noite como um dardo
    em fogo
    e logo
    a flâmula como um pêndulo
    desce sobre o peito
    donde nasce um sol obscuro e virgem.
    Através dos ramos levo-me – levas-me –
    puro e simples para os ventos
    mesmo que triste, inconsútil e leve.
    Mas, como se de pedra fosse o ilimitado
    de coral ou ilha
    o gesto falha inútil
    e impetuosamente caímos sobre o limo
    deflorados e neutros para o dia.


    Referências:
    • Martins, Max. Poemas reunidos: 1992-2001. Belém: EDUFPA, 2001.
    • Pereira, João Carlos. Autores paraenses: as leituras do vestibular. Belém: Cejup, 1996.
    • Wiki: Max Martins, 2009.